25/06/2014 19h16 - Atualizado em 25/06/2014 19h20

Trigo: quando não existem, são criados problemas

Por Eugênio Stefanelo

Exatamente na véspera da colheita desta safra de trigo e com parte da produção de 2013 do RS ainda não vendida pelos produtores, a CAMEX, liderada pelo Ministério da Fazenda, autorizou novamente a importação de mais 1 milhão de toneladas isentas da TEC, até o dia 15 de agosto. A alegação é a necessidade da importação em função das restrições impostas pelo governo argentino às exportações daquele país e o combate a inflação no Brasil. A isto se soma o fato de que os preços recebidos pelos produtores estão em queda desde setembro do ano passado, quando atingiram a média de R$49,05 a saca no Paraná. Atualmente a média é de R$ 42,20 a saca e o custo operacional de produção calculado pela CONAB para o Paraná é de R$ 39,9 a R$ 43,6 a saca, dependendo da produtividade e da região.

No ano passado, com a redução da produção em função do clima, a medida se justificava e foi implementada até o dia 30 de novembro, mas neste ano não há justificativa plausível.

O que mais espanta quem acompanha o mercado é que representantes dos próprios moinhos indicavam a desnecessidade da medida em função dos volumes já importados, dos estoques existentes nos moinhos e da breve entrada no mercado da maior produção nacional dos últimos tempos.

As consequências desta medida intempestiva e de curtíssimo prazo são também previsíveis: a necessidade do governo apoiar a comercialização da produção nacional via intervenção no mercado através dos instrumentos da PGPM e a queda da área plantada em 2015 e 2016, aumentando a dependência da importação do cereal.

Em resumo o ciclo se repete, mas desta vez estimulado pelo governo e com parecer contrário do Ministério da Agricultura e do Abastecimento, porque o mercado estava se normalizando com elevada produção interna e preços em queda, sem a intervenção do Estado.

Histórico de oscilações
Um dos poucos produtos do agronegócio que o Brasil não é autossuficiente é o trigo. Não porque não dispomos dos recursos necessários de solo, clima, gente, capital e tecnologia. Com o fim do monopólio estatal da comercialização do trigo, com a abertura do mercado às importações e com o advento do MERCOSUL a oferta de trigo no Brasil passou a ser a soma da produção nacional mais as importações, provenientes basicamente dos nossos parceiros, principalmente da Argentina. Dentro deste quadro a produção nacional passou a depender dos preços do produto importado. Ou seja, o preço do trigo nacional corresponde à paridade da importação, que por sua vez é o resultado da cotação internacional do cereal, da taxa de câmbio praticada no Brasil, dos custos logísticos da operação e do imposto pago na importação, quando o trigo provém de outros países fora do MERCOSUL.

Nas regiões sul e sudeste do Brasil a paridade da importação normalmente corresponde ao produto importado da Argentina. Nas regiões norte e nordeste equivale ao produto importado da Argentina ou dos outros países fora do MERCOSUL, como os Estados Unidos e o Canadá. Neste caso, acrescido do valor da Tarifa Externa Comum de 10%.

Devido aos elevadíssimos custos logísticos de transferência da produção nacional e considerando o preço mínimo que deve ser pago ao produtor brasileiro, o produto importado acrescido da TEC chega mais barato nos moinhos localizados naquelas regiões e, muitas vezes, inclusive os estabelecidos na região sudeste.

Por estas razões, quando a produção no sul do país supera 5 milhões de toneladas, que corresponde praticamente ao abastecimento dos seus moinhos, os preços pagos aos produtores brasileiros tendem a ficar menores do que o preço mínimo de garantia estabelecido pelo governo, dentro da Política de Garantia de Preços Mínimos (PGPM), obrigando o governo a intervir no mercado.

Analisando o comportamento da triticultura brasileira nos últimos anos percebe-se claramente que a mesma se move em ciclos de estímulo a produção e queda dos preços, seguido de desestímulo a produção e alta dos preços.

Em 2004 a área plantada de trigo no Brasil atingiu 2,76 milhões de hectares e a produção foi de 5,8 milhões de toneladas, levemente abaixo da produção colhida no ano anterior de 6,1 milhões de toneladas, apesar de a área plantada ser um pouco menor. O governo, nos dois anos subsequentes deixou que as cotações do cereal despencassem e a área plantada reduziu para 1,76 milhões de hectares em 2006 e a produção foi de 2,2 milhões de toneladas.

O governo, visando a recuperação da triticultura, estabeleceu novamente em 2007 e 2008 uma política de estímulo a produção nacional e a área plantada foi ampliada para 2,42 milhões de hectares em 2009. A produção foi de 5 milhões de toneladas, chegado a 5,9 milhões em 2010, apesar da redução da área plantada.

Nos anos de 2009 a 2012 os produtores passaram por desestímulo econômico e a consequência foi nova redução da área para 1,89 milhão de hectares em 2012, que renderam a produção de 4,4 milhões de toneladas.

A redução da produção mundial do cereal em 2012/13 e o aumento na taxa de câmbio provocaram significativa elevação das cotações recebidas pelos produtores em 2013. Neste ano de 2014, pela primeira vez em vários anos, a atividade superava o custo operacional de produção. A reação dos produtores foi a prevista: ampliaram a área plantada, que em 2014 chega a 2,6 milhões de hectares e podem gerar a maior safra de todos os tempos, chegando a 7,4 milhões de toneladas, em condições normais de clima. Somente no Paraná a produção atinge 4 milhões de toneladas, com início da colheita em agosto.
Em 25 de junho de 2014

Eugênio Stefanelo COLUNISTA Eugênio Stefanelo
SAIBA MAIS SOBRE O COLUNISTA
Apresentador do programa Negócios da Terra, professor da UFPR e doutor em economia agrícola.

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